Neste sexto artigo da Newsletter Bem-estar no centro da estratégia junto com o Hugo Nisembaum falamos sobre a grande resignação, carreiras líquidas e da importância de incluir dimensões que ajudem a encontrar mais significado no trabalho.
Em janeiro 2020, quando ainda não sabíamos realmente o que seria um “mundo de incertezas” publicamos um artigo com o seguinte título:
Gestão de Carreira Liquida: uma das poucas certezas em um mundo de incerteza.
Nos apareceu com clareza a ideia de modernidade liquida proposta por Zygmunt Bauman.
“Escolhi chamar de modernidade líquida a crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente e a incerteza, a única certeza.”
“A estas mudanças, cada vez mais disruptivas, que exigem adaptar-se em alta velocidade, se contrapõe a fragilidade de correr, escorregar e não ter tempo de refletir, de pensar. Nunca estivemos tão ansiosos, deprimidos e perdidos em relação ao futuro.”
A pandemia nos deu (para quem pode e soube aproveitar) tempo para refletir e repensar o nosso futuro.
Uma das respostas foi a Grande Resignação.
“A pandemia trouxe o futuro do trabalho para o presente do trabalho”, disse Anthony Klotz, professor de administração da Mays Business School da Texas A&M University, a quem devemos o termo grande resignação.
O aumento inicial foi devido ao acúmulo de demissões, já que os trabalhadores não estavam se demitindo durante o auge da pandemia, explicou ele. Eles também estavam esgotados, infelizes e reavaliando suas vidas. “Não vamos voltar ao mundo do trabalho de 2019”, afirma Klotz.
A maior transformação do trabalho em 100 anos
No mesmo sentido Lynda Gratton, professora de Management Practice na London Business School, autora de um livro que acaba de ser lançado, “Redesigning work” tem muito claro que estamos passando pela maior transformação do trabalho em 100 anos. Como parte dessa transformação fica evidente a demanda por flexibilidade e bem-estar no trabalho.
Cerca de 63% dos candidatos a emprego consideraram o equilíbrio entre vida profissional e pessoal uma prioridade ao escolher um novo emprego, de acordo com o relatório Global Talent Trends 2022 do LinkedIn.
E no Brasil? Desde o início de 2022, um elevado número de profissionais urbanos pedindo demissão. Cerca de 500 mil trabalhadores “pedem as contas” todo mês. Um número que é quase o dobro do registrado em anos anteriores e que representa uma rotatividade de 15% nas posições CLT. Segundo dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
Uma pesquisa recentemente divulgada pela Randstad revela que, no País, 83% dos trabalhadores entendem a flexibilidade na jornada como importante, enquanto mais da metade dos millenials (ou geração Z) disse que sairia de um emprego que o impedisse de ter qualidade de vida.
No trabalho, os Millennials procuram uma posição que lhes permita aprender e crescer. Dar oportunidades a que participem de projetos pelos quais são apaixonados ajudará bastante a atrair e reter os melhores talentos desta geração.
O fenômeno da “grande resignação” nos permite reflexões importantes para quem contrata, entendendo o novo momento e os desejos de mudança de vida de muitos candidatos tanto internos como externos.
Promoções e cargos de liderança não são o único caminho
Uma prova disto é a pesquisa realizada pelo Insper e Robert Half, que resolveram fazer um estudo dada a percepção de que muitas pessoas não desejam ascender na carreira e ocupar posições de liderança de maior responsabilidade, mesmo com os potenciais benefícios de maior salário e prestígio.
Uma pesquisa publicada na revista Harvard Business Review, com 3.625 profissionais de diversos cargos em empresas de diferentes tamanhos e setores nos Estados Unidos, revelou que apenas 34% buscavam posições de liderança e só 7% almejavam ascender a uma posição de C-level.
Aqui há um elemento que deve ser levado em consideração, a própria definição de sucesso de cada indivíduo, a possibilidade de que as novas gerações não queiram estar presas a estruturas burocráticas e de poder, características de organizações muito verticais, e a nova realidade de trabalhar mais em rede e horizontalmente.
E isto nos estimula a buscar outros caminhos de desenvolvimento de carreiras onde a promoção não é a única saída.
E o que fazer com pessoas que não tem desejo de assumir posições de liderança?
Uma coisa é certa, não podemos impor nossos valores, prioridades e aspirações a outros. Mas podemos ajudá-los a definir as suas estratégias individuais e como parte disso, o que para eles significa sucesso na etapa de vida em que se encontram.
Apreciar e agir de acordo com essas diferenças é a chave para liberar potencial, motivação e crescimento – mesmo para aqueles que parecem desinteressados no desenvolvimento de carreira. E fazer isso envolve ir fundo e profundo na compreensão do indivíduo e amplo em termos de expansão de sua definição de desenvolvimento de carreira.
Uma alternativa muito interessante é a proposta por Julie Winkle Giulioni no seu livro recém lançado Promotions are SO yesterday (em tradução livre, Promoções são coisas do passado).
O desinteresse em subir não significa que alguém não seja ambicioso; significa simplesmente que o líder precisa se tornar mais interessado em entender o que é importante para a pessoa e onde estão suas ambições.
Novos caminhos para a gestão de carreira e desenvolvimento de pessoas
Carreiras e desenvolvimento são muito maiores do que a trajetória tradicional no organograma. Muitos funcionários reconhecem que as carreiras operam entre e além das criações artificiais de novos cargos.
É Importante reformular a conversa sobre carreiras e introduzir dimensões que sejam profundamente significativas para as pessoas que podem não querer subir na hierarquia, o que não que dizer que não queiram ampliar as suas responsabilidades e receber oportunidades de crescimento na empresa.
Antigas estratégias associadas à concentração de esforços de desenvolvimento em pessoas de alto potencial começam a dar lugar a práticas mais generosas que tornam o crescimento mais amplamente acessível.
A posição atual de alguém pode se tornar um espaço fértil para o crescimento contínuo, como resultado da reformulação da conversa, do redesenho do trabalho (também conhecido como Job Crafting) e da introdução de outras dimensões que são profundamente significativas para pessoas que não querem ser promovidas, mas gostariam de receber a oportunidade de crescimento na posição e ser devidamente recompensadas por isso.
Entre as dimensões que sugerimos abordar apontamos as seguintes:
- Contribuição, propósito e significado, como fazer a diferença com a sua atuação.
- Pontos fortes, aproveitar as suas capacidades e construir novas orientadas com sua estratégia de crescimento e desenvolvimento.
- Investir em relacionamentos, network e visibilidade.
- Aumentar a autoconfiança nos seus talentos e habilidades.
- Buscar Desafios na organização alinhados com as suas capacidades e interesses
- Optar por situações que gerem bem-estar, equilíbrio e alegria no trabalho.
- Escolher atividades que permitam exercer maior controle, autonomia, flexibilidade e tomada de decisões.
Estas dimensões respondem melhor não só ao momento que vivemos, mas também tem se mostrado eficazes para aproveitar o potencial existente nas organizações, promover novas oportunidades, engajamento e respostas as necessidades tanto individuais como da empresa.
Referências:
Carreira líquida uma das poucas certezas num mundo de incertezas
O que é a grande resignação no Brasil